Hoje quem passa em frente ao Banco do Brasil em Sete Lagoas talvez não saiba das vidas vividas, contadas e vistas ali naquele lugar.
O mesmo provavelmente acontece com quem vê o movimento próximo à Praça Tiradentes, quando passa em frente à grande Drogaria moderna e iluminada. Em momentos diferentes, mas não menos importantes, esses locais sustentaram sonhos, planos, magia e muita, muita história. História da cidade, da cultura… da vida.
Onde é o Banco do Brasil já foi o Cine Meridiano fundado por Braz Filizzola e que deu início à tradição italiana dentro de Sete Lagoas. Braz era sogro de Giuseppe Ferrari e em 1945 alugou o cinema para ele e seu irmão Renato Ferrari.
Algum tempo depois eles também alugaram o Cine Trianon (que era administrado pela Família Tropia vinda de Ouro Preto e que ficava na esquina da Rua Emílio de Vasconcelos e Lassance Cunha). Com o passar dos anos e o crescimento da cidade os irmãos receberam a proposta do poder público para trocar o imóvel por outro onde hoje está uma casa lotérica próximo à Praça Tiradentes em frente à Drogaria Araújo. Assim, onde era o Cine Meridiano foi construído o atual Banco do Brasil e no centro da cidade foi construído o Cine Rivello, um dos cinemas construídos pelos irmãos Ferrari.
Um pouco mais a frente, foi construído o Cine Rivello. Inaugurado em 1958, com prédio, máquinas, telas e sistema de som dos mais avançados da época. A escolha do nome foi feita através de um concurso público quando espalharam urnas pela cidade para que os moradores adivinhassem o nome do cinema. O ganhador teria direito a um ano de entrada grátis. Quem ganhou foi Mariângela França, filha de Nery França, que indicou o nome Cine Rivello, em homenagem à aldeia italiana de San Constantino de Rivello de onde vieram os Ferrari.
Numa sala maravilhosa de mil e cem lugares foi exibido em 03 de setembro de 1958 o filme ‘O Céu por Testemunha” de John Huston, obra importante da cinematografia clássica americana que narra a trajetória de um soldado perturbado pelo ataque japonês à base americana de Pearl Harbor e assim, inaugurado, oficialmente, o Cine Rivello.
Depois deste dia, foram tardes e noites memoráveis no cinema. Ele está presente no imaginário e na história de muitas famílias de Sete Lagoas e da região. Muitas dessas famílias começaram a se formar lá, inclusive.
Nos encontros das matinês aos domingos depois da missa, nas mãos entrelaçadas enquanto os olhos não desgrudavam da telona, nos namoros na porta do cinema, pipoca, bala, juventude e alegria daqueles tempos. Era a opção dos jovens e das famílias que tiveram o local como o maior ponto de entretenimento e diversão por muitos anos. Foram 50 anos desde aquele 03 de setembro até suas portas fecharem. Meio século e muita vida.
Tantas histórias e passagens! Das cortinas que se abriam e fechavam antes e após a exibição dos filmes. Se fechar os olhos é possível ouvir as palmas de quando a seção encerrava e os risinhos na sala escura. Impossível esquecer da “seção das moças” quando passavam filmes românticos. E os alunos, que matavam aula para irem assistir a “seção das moças” e só ficavam até o professor chegar e mandar voltar para a escola, acabando assim com a empreitada romântica?
Não há quem viveu naquela época que não tenha trocado figurinhas e revistas em quadrinho antes e depois da matinê de domingo. Ah, os filmes do Mazzaropi, de mãos dadas com o pai, a tia, a mãe…
Neste intervalo, enquanto o Rivello atravessava majestoso cinco décadas com filmes do mundo inteiro de todos os gêneros, formas e temas, em paralelo foi construído pelos irmãos e inaugurado em 12/01/1967 o Cine Teatro Pepino, ali onde hoje é a lotérica da qual falamos lá em cima. O nome foi dado em homenagem a Giuseppe Ferrari – que tinha o apelido de Pepino e que morreu em julho de 1965 antes da conclusão da construção.
Pepino era um cinema, mas era mais do que isso. Era teatro, era música na coxia, era cultura pura.
Em 1990 o Cine Pepino fecha suas cortinas. Em 2005 fecham as portas do Cine Rivello. Mas até hoje eles vivem na memória e na saudade de cada um que teve a oportunidade de viver aquele tempo.
Mas a vida roda, gira e a magia do cinema e da cultura sempre povoam nossos pensamentos e nossa vida. Ferreira Goulart disse certa vez que “A arte existe porque a vida não basta” e é exatamente assim.
Recentemente, por uma ação conjunta e capitaneada pelo arquiteto Wanderson Ferreira, o Cine Rivello passou pelo processo de tombamento, abrindo assim, a possibilidade de uma volta às atividades. Em maio/junho de 2021 aconteceu a Mostra Cine Rivello, “concebida neste contexto: uma homenagem justa a este espaço cultural tão querido e importante para a história de Sete Lagoas.”
Está em andamento o Projeto Rivello que tem a proposta de se criar o Complexo Cultural Rivello que prevê a implantação de um cineteatro, a criação de um espaço de coworking cultural, sala de exposições, além de abrigar um bar-café em sua cobertura. Tudo isso um vislumbramento das obras serem viabilizadas com recursos da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Clique aqui para saber mais sobre o Projeto Rivello.
Contar parte da história dessa história, foi possível principalmente pelo futuro, amor e esperança. Quem me contou boa parte desse percurso com amor e brilho nos olhos foram os netos do Renato Ferrari Giovanni e Giselle, filhos do João Carlos Ferrari que dedicou toda a sua vida ao Cinema, lá ocupando todos os cargos: de vendedor de bala e bilheteiro à administrador geral.
Ver neles a emoção, a indignação, o amor e a esperança, só nos traz a certeza de que o passado é alicerce necessário para nossos futuros.
Foram meses pesquisando sobre a história do cinema e sempre achando que faltava algo mais por tanta riqueza de vida que tem essa história.
Certamente ainda existem muitas e muitas outras que ficaram por serem contadas. Só quem viveu aquela época se lembra dos detalhes e da magia do momento…
Assim, aqui fica nossa homenagem do Circuito Turístico das Grutas a esse gigante, que esperamos que renasça mais forte e contemporâneo em breve.
Viva o cinema! Viva o Rivello! Viva suas histórias e sua magia de transformar momentos! Que venha o futuro para que nele sejam escritas e exibidas novos filmes e novas histórias!
Por Narly Simões