Uma das mais antigas capelas da nossa região, a Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, fica na cidade de Lagoa Santa e foi construída em meados so século XIX pelos escravos.
Sua construção, assim como a de outras capelas ligadas à devoção dos negros, acontecia sempre à noite, único período em que os negros podiam trabalhar para eles próprios, já que durante o dia trabalhavam, incessantemente, para os seus senhores. No teto da Capela, existiam dois símbolos que nos levam a comprovar ainda mais esse horário de trabalho:. uma bola escura contendo uma face da meia-lua e uma estrela de oito pontas, símbolos que identificam tanto a construção da Capela, no período noturno, como sua utilização – esses símbolos atualmente encontram-se cobertos por intervenções no teto.
Em Lagoa Santa, o louvor a Nossa Senhora do Rosário e a consequente importância do povo preto na formação cultural da cidade, assumiu um papel de destaque, sendo relatada inclusive por viajantes que pela nossa região passaram no Sec. XIX, a exemplo de Karl H. K. Burmeister, naturalista alemão que por aqui esteve acompanhando Peter Lund. Ele destaca no seu livro “Viagem ao Brasil através das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais”, de 1853: “A 8 de junho, iniciam-se, em Lagoa Santa, os grandes festejos de Nossa Senhora do Rosário. Durante essa festa, o escravo sai, por alguns dias, da situação de oprimido para sentir-se não somente livre, mas também um homem forte a influir nos destinos do mundo. Os escravos escolhem entre si um “Rei” e uma “Rainha”, sempre escravos legítimos e não pretos livres, os quais também participam dessa festa. O povo nomeia então o “casal real” e os “ministros” (…) e todos hão de pertencer à Corte do novo Rei. Cada um desses “dignatários’ se enfeitam da melhor maneira (…)”
Hoje, essas manifestações se mantém vivas, vibrantes e importantes em toda região. Com a plena certeza e convicção que vidas negras e toda a sua história muito nos importam, fomos Circuitando por aí! em busca de histórias recentes da devoção e tradição do Congado e toda a sua força atual. Temos muito o que ver e contar das manifestações da cultura negra pelo Circuito das Grutas e assim faremos em várias matérias. Para hoje, com a palavra, VAVÁ – Presidente da Associação de Congado de Lagoa Santa da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário – que nos conta com detalhes sobre a Festa que acontece na Capela. A festa de “Nossa Mãe do Rosário” respeitosamente e carinhosamente chamada por ele.
“A Festa tradicional desde 1842, acontece no dia 07 de outubro ou no domingo mais próximo deste dia e festeja três Santos: N. S. do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito. O dia da festa é o encerramento da novena quando recebemos várias Guardas de Moçambique, de Congos, de Congo Feminina, Candombe e muitos outros grupos que vem nos visitar de outras cidades. A festa começa com um café da manhã bem servido para todos no Centro Catequético. Depois, segue para a procissão levando o Rei e a Rainha do ano até a Capela onde acontecem o Lamento Negro no adro e aí sim, ela é aberta e rezamos a Missa Conga.
Voltamos para o Centro Catequético, almoçamos juntos, descansamos e as Guardas pagam as promessas. Às 16h voltamos com a procissão que passa pelas ruas da cidade, circula a Capela e então rezamos a missa e coroamos nossos reis do próximo ano. Jantamos juntos e seguimos cada um para suas casas com a fé renovada, certos do encontro no ano seguinte.”
Vavá me fala que toca em outras Festas, faz abertura de outros Candombes “tudo que tiver que fazer eu faço” e lembra que a Festa do Moçambique de Santana, também conduzida pela sua Irmandade, que acontece na Várzea, sempre 26 de julho foi cancelada esse ano, devido à Pandemia. Porém, com crença e fé, tem a expectativa de poder fazer a “festa com eles todos. Uma Festa só para os quatro: N. S. de Santana, N.S. do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito.” em outubro deste ano.
Foi uma longa e rica conversa que nos traz ainda mais a vontade de acompanhar de perto e ao vivo todo esse festejo e manifestação. Quiçá em outubro desse ano ou nos próximos que virão. Trazemos a certeza de que hoje e sempre, essa cultura e tradição nos fazem cada vez mais vivos e fortes, e assim ela deve ser preservada por toda sua relevância e importância.
Por Narly Simões
Fotos: Francisco Bertoldo
Fonte: www.lagoasanta.mg.gov.br
www.portalimpctoo.com.br – Cleito Ribeiro – professor e historiador do Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire – CAALE